
quinta-feira, 20 de março de 2008
novo blog

quarta-feira, 14 de novembro de 2007
A favela é um problema social.

Principalmente porque meu querido professor me pediu, mas também para aprender mais sobre a desigualdade socio-econômico no Rio de Janeiro e os processos ideológicos que preservam o dinâmico entre os favelados e o resto da população do Rio, li o artigo “Aldeias do mal,” escrito por Romulo Costa Mattos, doutorado em história. Mostra a trajetória histórica dos estigmas e atitudes sobre as favelas do Rio de janeiro, desde seu surgimento no início do século XX até agora com idéias pouco renovadas e explica a percepção popular das favelas como problemas de higiene e segurança e sugere que uma interpretação mais adequada seria o reconhecimento dos processos capitalistas que criam condições de desigualdade social e econômica. Nessas circunstâncias os marginalizados do Rio de Janeiro fazem suas vidas nos morros da cidades e são eles que sofrem mais com a violência nessas áreas.
A equivalência entre pobreza e periculosidade é uma crença tão comum como errada. De acordo com o autor, uma observação pertinente é que são os indivíduos de menor renda anual que são as vítimas mais freqüentes de crimes violentos. Um estudo sobre o uso de armas de fogo feito por Tulio Kahn afirma que "as maiores vítimas das armas de fogo, são os homens, jovens, e pobres, moradores da perfiferia."
A propensão de estigmatizar os pobres é presente no mundo todo e permite que a a grande população vivendo em pobreza e miséria permaneça marinalizada. É importante desconstruir esse discurso e reconhecer o verdadeiro raiz da pobreza para poder diminui-la.
DA CELA DE AULA À SALA LIBERTA
Se o público compreendê-las, assimilá-las e amá-las, teremos lucrado nós, eles,e o País também. Se isso não acontecer a culpa será principalmente minha, mas pelo menos guardarei dentro de mim a consoladora idéia de que tentei.
Por isso escolhi a Liberdade...”
(Paulo Autran, sobre a peça Liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, na qual atuou em 1964, logo após o Golpe Militar)
Estamos encerrando um ciclo. Desde julho deste ano, eu convivo com essas “figuras”, falando da “boca pra fora”, se não sobre tudo, sobre quase tudo. E tem sido assim desde o começo. Antes, éramos sete. Dois “desertores” preferiram outras disciplinas, as ruas, o povo, as praias, as suas pesquisas individuais e, por não precisarem dos créditos, foram embora. Lamento muito, Owen e Frank, pois fizeram muita falta, principalmente na última parte do curso, pois, por motivos diferentes, dariam contribuições muito interessantes com discussões e textos escritos e palavras cantadas. Mas de alguma forma, estão aqui, em nossas palavras, em nossas discussões, pois acreditamos de verdade que não somos os mesmos depois de conhecermos novas pessoas . Além do que, suas razões para não continuar são justas, ainda mais que estamos falando de liberdade.
E os que ficaram? É deles que eu preciso e quero falar, dos que tiveram a liberdade de ir, mas ficaram. Foram tantos pontos de vista expressos, tantas discussões produtivas, tantos gestos de solidariedade, tantas impressões, tantos estereótipos desmontados, tantas questões sobre a língua portuguesa e a cultura brasileira, tanta alegria e tanta angústia partilhada, que eu não poderia deixar de registrar aqui essa sensação adiantada de saudade. Estamos acabando um ciclo, avançadíssimos estudantes de português. E agora? Como é que fica?
Para não chorar sobre o leite derramado , vou fazer um breve balanço de nossas atividades. Nesta fase do curso (de agosto até aqui), demos ênfase à leitura de textos escritos e audiovisuais, como ponto de partida para discussões, produção de novos textos, expressões de pontos de vista, discordâncias, argumentações, negociações de conflitos e de sentidos, de modo que o estudo da forma (as tão invocadas “regras gramaticais”) era uma conseqüência e não a causa do processo. Os poucos exercícios estruturais foram trazidos ou produzidos a partir das ocorrências detectadas na produção dos estudantes, ou mesmo a partir de suas solicitações. Optamos por ler e escrever ao máximo, e principalmente estimulamos a socialização dos textos lidos e produzidos por esses estudantes, ponto no qual o blog foi a ferramenta fundamental.
Tive a possibilidade de experimentar, arriscar, errar, rever, experimentar outras possibilidades e ajustar o planejamento aos interesses de quem realmente precisa do curso. O lado bom de lidar com estudantes de proficiência de nível intermediário para cima é que podemos cometer erros sem que as conseqüências sejam graves. Por isso, experimentei distribuir vários livros curtos de temas e gêneros variados, originariamente destinados a estimular a leitura entre estudantes da rede pública. A idéia não era original (nada aqui é): cada um apresentava o texto que estava lendo, com a recomendação de ser objetivo na medida do possível, já que os outros não tinham lido o texto apresentado. Apesar de ter várias alternativas (eles tinham a liberdade de trocar o livro, se não gostassem), a sistemática não funcionou. Alguns dos livros eram ou infantis demais ou específicos demais. Além disso era difícil para cada um manter a atenção dos colegas quando apresentava um livro que ninguém mais tinha lido e naturalmente eu não tinha como ler todos os livros, o que se tornou outro fator complicador.
Foi então que tive a idéia de selecionar três livros para uma leitura em comum. Defini alguns critérios. Tinha que ser escrito por um(a) autor(a) brasileiro(a), tinha que ser em prosa, tinha que ser contemporâneo, tinha que tratar de temas da cultura e da história do Brasil que pudessem ser amplamente discutidos em sala, que suscitassem outras leituras e abordagens. Os livros eram “Felicidade Clandestina”, de Clarice Lispector, “Em Liberdade”, de Silviano Santiago, e “Estação Carandiru”, de Drauzio Varella. Justamente este, o único que não tinha lido (só conhecia o filme), foi o escolhido pela turma. Era o livro de que menos gostava para este fim, pois apresentava muitos diálogos em registro informal, de variedades lingüísticas cruzadas por fatores regionais, etários e, o pior, com provável processo de estereotipia nas representações das falas dos penitenciários, já que Varella não esclarece como ele registrou os diálogos introduzidos por travessão (o escritor não é lingüista, nem gramático, pra sorte dele). Fazer o quê? Quem pergunta quer saber. Fui pra casa e passei um fim de semana devorando o livro e tudo o que pude ler e assistir sobre o tema do sistema penitenciário do Brasil. Refiz boa parte do planejamento e fui adiante. Uma surpresa boa foi a leitura. Não só parecia ter bom estilo, fácil de ler, sem ser superficial, como tratava de temas que não ficavam encerrados na prisão, que facilmente circulavam entre a sociedade “livre” e o sistema prisional, estabelecendo um diálogo muito interessante. O problema da “estereotipia” das falas dos reeducandos persistia, mas resolvi tratar disso antes de iniciar a leitura com o grupo. E não me arrependo, pois nunca tive problemas de partilhar com estudantes as minhas incertezas, as minhas inseguranças. Avisei-os que tomassem cuidado para não misturar os registros diferentes encontrados no livro e seguimos em frente.
Lemos, escutamos e vimos muita coisa a partir do livro. Desde um artigo que trata das gírias de presos que caíram no domínio público no Brasil, passando por artigos sobre a história das prisões no Brasil, sobre ocupação e resistência nas favelas em seu surgimento no início do século XIX, sobre educação nos presídios, dois documentários sobre o sistema penal brasileiro, o rap dos Racionais MC sobre o cotidiano de um “truta” no Carandiru até a assistência ao tão propalado filme “Tropa de Elite” (no cinema da UFBa, sem piratarias!) e ao “Carandiru”, de Hector Babenco. Dessa forma, não só demos conta de várias abordagens do mesmo tema, evitando-se o discurso monolítico e estéril imposto pelo professor, como também passeamos por uma razoável diversidade de gêneros lingüisticos, textuais, artísticos e formais. Saímos da sala de aula, não só para assistir aos filmes, mas sobretudo para ter uma melhor dimensão da problemática da violência e da desigualdade social do Brasil. Naturalmente, nossa abordagem não se pretende antropológica, sociológica, histórica, mas sem dúvida o panorama proporcionado pelos textos diversos, dentre os quais alguns estão citados acima, se não ajuda a esclarecer sobre como se dão as relações sociais no Brasil, pelo menos ofereceu questões muito interessantes para discutirmos, discordarmos, revermos posições, nos indignarmos, refletirmos sobre as possibilidades de mudança, compararmos com a realidade dos Estados Unidos e de outros países; ao longo e depois do que era possível adquirir novo vocabulário, novas estruturas lingüísticas, entender certas construções não-padrão de largo uso entre os falantes nativos, perceber a distância entre a variedade padrão e as outras variedades e a simetria da distância entre as classes sociais e suas implicações raciais no Brasil e todas as ambigüidades e contradições observadas.
Ao lado de todo esse processo, tínhamos o blog. Este tornou-se um instrumento privilegiado de interlocução entre mim e a turma, e o mais importante, entre a turma e outros brasileiros e estrangeiros que surpreendentemente têm feito comentários dos mais variados tons aos textos de meus estimadíssimos estudantes. Confesso que minha vaidade fica emplumada ao ver que meu mérito não está em criar, controlar, ditar, mas sugerir, indagar, instigar, provocar, insistir e ver os resultados fugirem do meu controle. O blog nasceu de um projeto que elaborei e apresentei a eles, mas quem o criou mesmo foi Alida, quem o batizou foi Michelle, quem escreve nele são Michelle, Alida, David e Baird, que também têm a liberdade de negociar as pautas e têm a última palavra nas correções (sim, eu corrijo os textos, mas nem sempre eles acatam e às vezes deixo passar alguma coisa!). Este inclusive não é o último texto do blog. Além dos trabalhos finais maravilhosos que eles estão preparando (aguardem!!!), espero que os autores não deixem de usá-lo como forma de praticar o português escrito e principalmente como forma de preservar os laços criados aqui.
Espero também que eles tenham entendido a proposta de trabalho, que não desistam nunca de aprender e aprimorar o domínio da quinta língua mais falada no mundo, que não deixem nunca de quebrar a cabeça com a cultura e a sócio-história do país da diversidade e da adversidade, e que escrevam sempre que puderem para o quase ex-professor de português. E que continuem os comentários às publicações.
Enfim, que tenha ficado claro que é para fora da sala de aula que o nosso trabalho se dirige. E que a liberdade não seja condição apenas para quando se está fora da sala, que ela exista como condição fundamental para qualquer aprendizagem, para qualquer tipo de convivência, para todas as pessoas, de qualquer nacionalidade, estejam onde estiverem. E que o mundo (e não só o Brasil!) fique melhor o suficiente para que as nações tenham suas soberanias respeitadas, que todos tenham liberdade de ir e vir e viver dignamente, que os presidiários não sejam tratados como bichos (e que os bichos sejam tratados como gente!), que os policiais e agentes penitenciários não sejam tão mal-remunerados e despreparados ética e tecnicamente. Que a discussão sobre Direitos Humanos seja cotidiana e atravesse disciplinas acadêmicas e mesas de bar e cafés da manhã, que se transforme em gesto, seja conversando com a empregada doméstica ( de verdade, tentando conhecer a pessoa e não a vendo como alguém que deve estar feliz por ter um prato de comida), seja pensando em estratégias mais eficazes que a caridade e a indulgência para encarar a desigualdade. Para que, enfim, não precisemos, não importa em que lugar do mundo, viver armados ou protegidos por pessoas armadas, morar ou estudar ou trabalhar em lugares em que o sol também nasce quadrado ou nem pode ser visto por causa de um grande muro, que nos protege (?) do medo ao mesmo tempo que nos faz também prisioneiros atrás da grade de ferro.
Alex Simões
O verdadeiro “gringo” aqui, ou que aprende com os gringos a ver a sua língua e a sua cultura como se fosse um.
Cela de Aula
Existem várias razões para a falta de interesse dos detentos, tais como falta de infraestrutura e uma difícil relação entre a segurança da cadeia e a educação. Tem também a concorrência do programa educacional com o programa da chamada "remição." Este programa é lavoral e faz com que, por cada três dias trabalhados, se reduza um dia da pena do preso. Atualmente, 45% dos presos participam do programa de remição, que também é remunerado.
Não obstante, agora estão criando-se programas para os mesmos presos criarem professores na cadeia. Este programa é responsável pela criação do chamado "preso-monitor." Presos escolhidos mediante um concurso fazem uma aula para se prepararem de seis horas cada dia por dois meses. O programa preso-monitor tem várias vantagens. Primeiro, motiva os presos a estudarem e virarem professores também. Segundo, às vezes pode até inspirar o preso-monitor a deixar o crime e se dedicar à educação, como no caso de Marco Roberto Santos de Abreu que entrou em Pedagogia no ano passado com 50% de bolsa.
Todavia, tem-se que lidar com o problema de refeição. Esse sistema, também, está mudando. Embora ainda não seja uma lei nacional, 15 estados já costumam oferecer a remição em troca de estudo, processo começado por Carlos Fonseca Monnerat há 9 anos. O juiz fundamenta a decisão no conceito de que no Brasil, ninguém vai preso para sempre, e têm que existir programas para a reintegração dos presos na sociedade. Hoje, uma lei para oficializar esse mecanismo está no Congresso Nacional.
Finalmente, cabe dizer que não é de surpreender a falta de interesse na educação carcerária no país onde mesmo em liberdade, as pessoas não se interessam muito. O juiz Carlos Fonseca Monnerat insiste em que tem que solucionar aquele problema primeiro.
terça-feira, 13 de novembro de 2007
Escola carcerária
Se você achasse que os estudantes-prisoneiros já não estão bem ligados numa rede, se não for em várias, com o mundo dentro assim como fora da prisão, pode ficar feliz na sua ingenuidade. Não vou dizer nada. Eu também nunca visitei uma cadeia e não sei como funciona o mundo de crime; tudo que eu sei é que mesmo com uma força policial continuamente aumentando em tamanho e em capacidade e usando novas técnicas, o crime persiste ainda. O que quer dizer isso? Quer dizer que os criminosos, em geral, estão sempre um passo na frente dos policiais. Eles não ficam no crime por pura sorte; ao contrário, têm que saber se virar. É outro tipo de inteligência. É aquela que você não aprende dentro da sala de aula. É a inteligência da rua.
Agora, eu comecei a viajar um pouco no meu tema, mas isso é bom, e vou viajar um pouco mais: como será se dois meninos se juntassem - um com a sabedoria dos livros, outro com a da rua? Eles reinariam o mundo. Mas não, agora essas são bobagens. Ninguém pode "reinar o mundo" através do crime para sempre porque, afinal, é ilegal e vai ficar preso ou morto um dia. E não podemos achar, ou eu, pelos menos, não posso, que dar uma educação aos presos os preparia para melhor se virar dentro do crime. Ao que eu saiba, muito entraram porque não achavam que tinha outra possibilidade. Muitos cresceram nos bairros onde já existia, viam amigos e parentes fazendo coisas ilícitas, e continuaram nos passos desses.
Enquanto escrevo, eu estou ainda em conflito com a idéia da escola dentro da prisão. De um lado, o cérebro humano tem que estar ocupado. Seja pelo trabalho, seja pelos exercícios matemáticos, seja pela religião, nós temos que ocupar as mentes a maior parte do tempo para não enloquecer. Não é possível ficar sentado num xadrez de 1m x 2m, quieto, dia após dia. Já foram feitos muitos estudos que provam isso, mas eu imagino que cada pessoa tem tido experiència com a chatice e sabe do que eu estou escrevendo.
Do outro lado, seria legal poder dizer que a educação carcerária dá uma chance ao prisoneiro para ele obter trabalho legítimo depois de sair da cadeia. Infelizmente, porém, não podem ser negados os preconceitos em relação a um ex-prisoneiro que deseja ser empre gado. Já passou um tempo sem trabalhar, talvez não tenha terminado o ensino médio, não ganhou experiência como os outros empregados que têm estado trabalhando enquanto ele ficava preso, etc. Mesmo se fosse por uma coisa menor, ninguém quer admitir durante uma entrevista que já foi preso.
Enfim, a escola dentro da cadeia? Boa idéia, eu acho. Utilidade fora da cadeia? Duvidosa. Porém, acabei de lembrar daqueles programas scolares que se realizam pelo correio. Se alguém fizesse isso para terminar o ensino médio e/ou obter uma formação de faculdade, isto deve valer alguma coisa.